sábado, 5 de janeiro de 2013

A Jazida



Ainda hoje me pergunto o que teria sucedido naquele dia. Apesar de não passar de uma nuvem na imensidão azul da minha existência, todos os instantes daquele dia me assolam o pensamento e atormentam a luz dos meus dias.


Vivo nesta turba de pesadelos que se encerra em mim. Deus tornou-me escravo do meu ser. Nestas quatro paredes vivos acorrentado por correntes de vidro, amordaçado por esta mordaça que não vejo. O Silêncio esmaga os meus ouvidos, que choram... Choram de dor. Lágrimas que me escorrem pelo rosto! Se pelo mesmo esta dor surda se calasse! Imagens aterradoras percorrem-me a mente procurando vencer-me pelo cansaço e pela fadiga. Eu tinha tudo: um bom emprego, amigos, tudo... Mas tinha de ser ambicioso, sentia-me só, apesar de rodeado de amigos sentia que me faltava algo. Quando a noite chegava eu sentia toda a sua força invadir-me, tornava-me melancólico e na escuridão chorava...

Então apareceu ela, quase perfeita, tal como um anjo de morte. A sua beleza ofuscava a mais forte chama, a própria lua parecia torna-se pálida perante a sua presença.

Ainda me lembro como se fosse hoje, o momento em que a conheci: o hálito salgado do oceano soprava ligeiramente na minha face, os dourados grãos de areia estendiam-se diante de mim, a lua esboçava um sorriso envergonhado. Qual vagabundo sem rumo vagueava  pelas dunas, abandonado aos meus pensamentos. Minha única companhia era a velha gaivota, que navegava nas ondas do vento, ao sabor da melodia que o mar entoava.

Misteriosamente um semblante irrompe das ondas, uma deusa havia nascido! Sua beleza inebriava os meus sentidos, mas a noite é caprichosa e o luar que iluminava tão esbelta figura esvaneceu-se em escuridão, ofuscando a minha visão. Quando o luar regressou a sereia havia voltado, com toda a certeza, aos reinos de seu pai Neptuno. Desinteressado continuei o meu passeio nocturno, afogando a minha solidão nos meus pensamentos.

Mas o maior desinteresse é o maior dos interesses. Oh! Que fogo era este que consumia as minhas entranhas. Hoje vos digo, o amor é Dor! Mas aquele que diz que não quer amar é louco, porque amar é viver e quem nunca amou não chegou a viver. Apenas vageou angustiado na sua solidão, afogando-se na mágoa do desespero, ardendo na dor da solidão. Esta era a imagem que reflectida no espelho eu vivia todos os dias da minha vida, até a conhecer. Independentemente do que sucedeu, sinto que vivi, por aquelas escassas noites vivi... Pois amei!! Depois...!? Depois morri... Morri para o amor, morri para a vida. Pouco me importa que hoje me chamem louco e que me persigam, pois por breves instantes fui livre, por efémeros momentos Vivi!!!

Outro dia se havia passado, a noite renascia, cobrindo com o seu manto negro a luz do dia, o mar cantado belas baladas de embalar. Adormecia os peixes que faziam dele o seu leito. Passeava ensombrado pela minha solidão, quando ao longe, vejo sair das águas a filha de Neptuno, qual serei enfeitiçada.

Naquele momento o meu coração tornou-se cativo, mas antes que me pudesse dirigir aquela Afrodite que cavalgava as ondas na sua concha dourada uma voz ao longe clamava pela minha presença... Mas o destino não perdoa. Tal fatal e certo que é...

E na noite seguinte, finalmente, conheci a bela donzela. Mais uma vez ao por-do-sol saiu das águas profundas e dirigiu-se a mim. Embriagado pelas suas doces palavras, sentia-me embalado e extasiado por finalmente conhecer aquela que ocupava todos os meus pensamentos. De seu nome Isabelle Renoir, sem o saber era esse o nome da minha Ama e Senhora.

Como uma criança desajeitada percorri a praia em tão aprazível companhia. O seu cabelo negro ofuscava o luar, caindo numa cascata celestial sobre os seus ombros, seus olhos verdes reflectiam o sabor salgado a mar, sua pele alabastro prendia o meu olhar, seu andar delicado como o orvalho matinal a perder-se numa folha. Embriagado pelos sentidos, o tempo voou e em breve seria meia-noite e o anjo teve de subir aos céus... E partiu...

Nos dias seguintes encontramo-nos, sempre na praia. Sempre à mesma hora. E sempre antes da meia noite, qual Cinderela, ia-se embora. Apesar de curioso nada perguntei, pois o amor é o maior anestésico e eu estava completamente entorpecido pelo seu brando torpor.

Mas a felicidade é efémera e o meu coração ficaria de luto por minha tia. Nessa manha fatídica a verdade revelou-se aos meus olhos. Olhou-me frontalmente eu chamei-a mentirosa...! Tinha que ser engano. Ao lado da campa de minha saudosa tia estava uma vela jazida de 1899, sua moradora? Isabelle Renoir... Que havia morrido afogada. Mas não...! Apesar da foto que aí se encontrava gravada não quis acreditar. Não poderia ser a mulher que todas as noites eu tomava nos meus braços. Tinha que ser coincidência...! A sua avó certamente... Cujo nome havia sido dado à neta.

A noite chegou e a minha mágoa e incerteza afoguei no regaço da minha amada. Mas uma vez mais ela iria embora à mesma hora. Mas seria a última vez que ela faria tal...

Na noite seguinte coloquei-lhe um tranquilizante na bebida que havia levado comigo e num abraço eterno ela adormeceu nos meus braços. A lua sorria desdenhosa, o mar embalava-nos com o seu doce sabor a viagens de mil aventureiros, no ar as gaivotas contavam ao ventos contos de viúvas e sereias.

Ao longe o sino da igreja soltou doze longas, fatais badaladas... Então a metamorfose deu-se! Onde antes jazia uma vela donzela, vivia agora um esqueleto, acusando a passagem do tempo...

Ainda hoje tento apagar esta imagem da minha mente, mas em vão! Por vezes temos o suficientes, mas egoisticamente queremos mais. Queremos tudo... Para depois tudo perder. Devemos pagar pelos nossos erros, assim sou eu... A todos os momentos pago pelo meu! Até à eternidade. Tinha tudo, mas queria mais, agora nada tenho...

Um comentário:

  1. E a vida , sempre a vida encarrega-se de nos demonstrar que o suficiente basta!
    A procura incessante de mais e mais levou-o a caminhos nunca antes percorridos . A paz nunca alcançada impelia-o a querer o desvendar dos segredos mais profundos da noite e dos seu seres cativos de circunstâncias desconhecidas para o comum dos mortais ......
    Procurou .... , encontrou .... ficou preso nas malhas do mistério que se perpetuava perante os seu olhos na inevitabilidade de se apaixonar , na desesperada necessidade de a ter sua ....só sua .... ou pelo contrário ser ele seu , só seu ... servo de uma Ama e Senhora como ele a considera .... Até que .... por um acontecimento fortuito , ficou deveras apreensivo em relação ao ser de que estava aterradoramente dependente .... seria certo ? ....como arrancar esta duvida que lhe martelava o cerebro e despedaçava o coração ? .... Tomou uma atitude e sem hesitar fez a experiência que o iria arrazar pra sempre mas que de certa forma o libertaria ..... sim .... libertaria a um preço demasiado alto até á eternidade ........ e agora vagueia errante nas memórias daquilo que gostava mas que lhe fizera tão mal .....

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